Conversamos com Madota, duo que vem se destacando na cena berlinense por suas referências plurais
Formado por Behnam e Mehran, artistas iranianos-canadenses, duo conta detalhes de sua trajetória, nova fase e adianta novidades
Energia radiante, som grooveado e intenso, referências multiculturais e entrega de corpo e alma. Essas são apenas algumas das características que tornam o Madota, um projeto singular e autêntico que precisa ser apreciado de perto – afinal, não é à toa que eles têm se destacado na cena movimentada de Berlim.
Formado por Behnam e Mehran, o duo possui um caminho musical interessante, que se iniciou em Vancouver em 2011, como DJs, já em conjunto, mas não sob essa alcunha. Poucos anos depois, em 2016, a dupla embarcou para Berlim, a fim de expandir seus universos musicais e investir na carreira, iniciando assim o Madota.
Mas, a jornada dos artistas começou muito antes, ainda na infância. Ambos são naturais do Irã e cresceram no Canadá, cercados das mais diferentes influências. Muito veio de seus pais, que desde cedo os apresentaram a diferentes músicas, tanto ocidentais, como The Moody Blues, Alice Coltrane, Marvin Gaye, Eric Clapton e Pink Floyd, quanto iranianas como Shahram Nazeri, Davood Azad e Keyhan Kalhor. Mais tarde, as vivências similares foram essenciais para o encontro dos artistas, que possuem uma conexão única entre eles e, claro, com a música.
Agora, em Berlim, a dupla tem sua criatividade impulsionada pela energia criativa e espírito artístico da cidade, investindo assim cada vez mais no projeto. Dessa forma, fazem da educação hifenizada de suas jornadas, como iranianos-canadenses, um artifício para criar uma perspectiva única sobre a música e a vida em geral, sem se apegar a nenhuma das identidades na hora de compor seus sets e produções. A força motriz das criações da dupla está no amor pela arte e a motivação de tocar a alma do público com produções intensas e envolventes.
Depois de viajarem para os Estados Unidos, Europa, Oriente Médio e África do Norte com este propósito, eles prometem expandir ainda mais esse objetivo com a criação de sua própria label, a Beautiful Mess Records. O selo chega como um coletivo musical que celebra artistas de todo o mundo, trazendo o holofote para novos talentos e produções que fazem os ouvintes focarem se em sentir.
Com um caminho promissor a frente, mergulhamos no universo de referências de Madota em uma conversa exclusiva, confira:
Q+A: Madota
Olá, Behnam e Mehran! Sejam bem-vindos à Mixmag. Para começarmos o nosso papo, já queremos abordar uma das nossas curiosidades sobre o encontro de vocês dois, que possuem backgrounds tão similares. Afinal, como vocês se conheceram e como surgiu a ideia de iniciar um projeto em conjunto? O que os fez passar do projeto antigo ao atual?
Nós nos conhecemos em 2008, como estudantes universitários calouros, por meio de um amigo em comum. A partir daquele momento, começamos a nos conectar profundamente em torno da música, mostrando músicas uns aos outros, fazendo sessões de audição em que sentíamos diferentes faixas e discutíamos sobre elas.
Ouvíamos artistas como Lisa Gerrard, Massive Attack, Tricky, Enigma, Shahram Nazeri e outros. A partir daí, decidimos comprar o equipamento mais barato que pudéssemos encontrar para aprender a ser DJ. Fomos literalmente para os quatro andares do subsolo do nosso prédio, onde não havia muito fluxo de ar, apenas carros e coisas não usadas das pessoas.
A partir daí, começamos a fazer shows em restaurantes, pequenos bares e literalmente banheiros de clubes só para começar. A partir daí, começamos a fazer um nome para nós mesmos na cena de clubes e after-hours de Vancouver. A partir de 2010, nossas visitas a Berlim nos expuseram à sua rica cultura musical, o que nos levou a entrar ainda mais na vibrante cena da cidade.
O ponto de virada veio em 2015, durante uma noite icônica na sala Kiosk em Katerblau. Foi então que tomamos uma decisão que mudou nossa vida: arrumar nossas coisas e começar um novo projeto, marcando o início de nossa aventura em Berlim.
Analisando o que já sabemos da criação de vocês, aparentemente, vocês tiveram vivências familiares bem similares, crescendo com a influência musical de seus pais. Vocês acreditam que isso foi essencial para a união dos universos musicais de vocês? Como essas referências familiares se refletem no Madota hoje?
Sem dúvida, nossas famílias desempenharam um papel fundamental na formação de nossos gostos musicais. Como os membros mais jovens de nossas famílias cresceram no Irã, nosso acesso à música global era bastante restrito.
No entanto, a influência de nossos pais, que tiveram experiências de vida e viagens ao exterior, ampliou significativamente nossos horizontes musicais. Eles voltaram com um tesouro de sons do soul, do jazz e do mundo, que continuam a servir de referência para nós até hoje.
Ainda sobre influências, quais artistas mais inspiram o projeto atualmente?
Olhando apenas para o mundo eletrônico, ainda temos influência de produtores como Stimming, Nicolas Jaar, Stavroz e Bedouin como referências, cada um à sua maneira.
Eles realmente nos deram a coragem de ultrapassar os limites em nosso próprio som, tanto como artistas quanto como seres humanos.
E, em análise a essas vivências e criações multiculturais. Como cada lugar que vocês passaram ou carregam em suas jornadas se tornaram referências para vocês?
Ter nascido e vivido no Irã nos deu acesso a uma cultura muito rica que abrange música, literatura e espiritualidade. Parece que apenas arranhamos a superfície, com muito mais para explorar e aprender. O fato de termos crescido no Canadá acrescentou outra camada à nossa exposição musical.
Como o próprio Canadá é um mosaico de diferentes culturas, ele nos deu acesso a muitos sons diferentes, incluindo músicas de diferentes regiões, como Índia, Paquistão, Líbano, Egito e Brasil, entre outras. A música desempenhou um papel importante na capacidade de nos relacionarmos com outras crianças da escola que eram de todos esses países.
A experiência de viajar pelo mundo e ter a sorte de morar em um lugar como Berlim foi a cereja do bolo. Berlim nos deu a camada de música eletrônica que, essencialmente, se tornou a linguagem na qual pudemos inserir todas as nossas influências.
Quase sete anos atrás, vocês se mudaram para Berlim, a fim de investir na carreira, mas apesar de já conhecerem a cidade, não tinham um caminho musical por lá e tampouco sabiam a língua. Como foi essa experiência de mudar para um país totalmente novo? Quais os principais desafios enfrentados nesse período e como eles impactaram o momento que vocês se encontram hoje?
Mudar para um novo país é sempre difícil. Mas, como não era a primeira vez que nos mudávamos e começávamos de novo, não parecia tão assustador quanto nas vezes em que tivemos de fazer isso quando éramos crianças. Quando crianças, aprendemos a nos adaptar e isso se tornou uma habilidade muito útil em nossa vida adulta.
O que foi mais difícil ao iniciar um novo projeto musical em Berlim foi o dinheiro. Não tínhamos economias nem apoio externo, por isso estávamos sempre lutando para conseguir pagar as contas. Trabalhávamos 16 horas por dia nesses projetos, além da música, para garantir que tivéssemos o suficiente para sobreviver.
Muitas vezes, tínhamos que alugar nosso apartamento compartilhado no Airbnb e dormir no sofá de nossos amigos se o dinheiro não chegasse. Não era bonito, mas tinha que ser feito. Isso nos deu a resiliência necessária para seguir em frente e nos apoiarmos uns aos outros, independentemente da situação.
Agora, falando sobre highlights da carreira. Quais momentos marcaram a trajetória de vocês?
Um dos nossos primeiros destaques em 2017 foi tocar no espaço Kiosk em Katerblau. O Kiosk tinha um charme especial, embora agora esteja fechado, e tivemos um de nossos shows mais queridos lá. Depois disso, tocar na sala Heinz, em Katerblau, é sempre uma vibração.
As festas Woomoon em Ibiza e Off Sonar em Barcelona também foram muito divertidas. Nosso último momento favorito foi nosso show no Garbicz Festival no verão.
Quando as tempestades rugiram naquela noite durante nossa apresentação, ela se transformou em uma experiência verdadeiramente mágica, com uma pista de dança aconchegante, molhada e suada.
Quando o assunto é processo criativo, como funciona para vocês? Como cada um atua nesses momentos e acrescenta ao trabalho?
Nós dois temos nossa própria abordagem à criatividade. Mas o que mais valorizamos é quando ambos chegamos prontos ao estúdio, nos conectamos e simplesmente apertamos o botão de gravar.
Achamos que os momentos mais mágicos da música acontecem entre todas as coisas "planejadas". Nós prosperamos com os erros e as imperfeições que dão à música um sentimento mais profundo.
Recentemente, vocês lançaram duas músicas “Metamorphosis” e um remix para a faixa “Jananeh”, de Bahramji, Marcan Dede, Baham e Golshifteh Farahani. Como foi o desenvolvimento de cada um desses trabalhos? Contem um pouco para a gente sobre a importância de cada uma dessas faixas e o que elas representam para vocês.
Metamorphosis - Essa faixa surgiu de nossas profundezas criativas, homenageando o piano, um instrumento muito querido por nós.
A pandemia reformulou a forma como criamos música, tornando as jam sessions uma parte fundamental do nosso processo.
Nosso estilo de fazer música se tornou mais fluido, levando-nos a uma metamorfose em sincronia com as novas energias criativas.
A essência da faixa gira em torno de ondas de piano, dançando entre uma melodia divertida e uma força rítmica que impulsiona a música.
Os pianos capturam as inúmeras emoções de uma mudança profunda, em que a felicidade e a tristeza se entrelaçam, refletindo uma mudança dramática na forma.
Jananeh - Compartilhamos uma conexão única com cada artista desse projeto. Mercan Dede e Bahramji são músicos que admiramos há muito tempo por seu compromisso em combinar tradições musicais regionais com o palco global.
Golshifteh, uma artista atemporal, tocou nossas vidas por meio de filmes dentro e fora do Irã. A dupla Baham é profundamente respeitada, não apenas por sua musicalidade, mas por suas profundas percepções além da música.
Nossa abordagem para esse remix é um tanto purista. A composição original possui imensa riqueza, profundidade e beleza, e nosso objetivo era fundir nossa vibração de clube groovy e corajosa, preservando a essência da peça.
Vocês também estão criando seu próprio selo, a Beautiful Mess Records. O que motivou a criação da label e o que vocês têm planejado até o momento? Já tem data para o primeiro lançamento?
Essa é uma ideia que vem se formando há anos, iniciada em nossas aventuras ao redor do mundo com um de nossos amigos mais próximos, Iman. Ele é um brilhante cinegrafista, fotógrafo e, é claro, também um aficionado por música.
Começamos a ficar obcecados em documentar músicos de todo o mundo, visitando-os de metrôs às ruas, de favelas a fazendas, de campos de arroz a passagens de alta montanha, tudo para encontrar a música mais pura.
Por isso, finalmente decidimos implantar esse conceito em que percorremos o mundo documentando esses sons, tanto visualmente quanto em formato de áudio.
A próxima etapa envolve a colaboração com artistas eletrônicos para remixar e reinterpretar essas gravações brutas.
Atualmente, estamos no processo de identificação de artistas e agendamento de sessões de gravação. Aguarde o primeiro lançamento no início de 2024!
Para finalizarmos, quais são os próximos passos do Madota e o foco de vocês neste momento? Algum novidade ou spoiler que possam nos adiantar? Obrigada pelo papo!
Temos um lançamento único, "Odesen", com o selo Moodfamily, de Stavroz, que será lançado em janeiro.
Também estamos trabalhando em vários novos lançamentos que capturam nosso estado de espírito agora, com mais groove, energia e alma.
Estamos animados para compartilhar mais em breve.
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Photos: Divulgação
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