Yulia Niko: do primeiro headphone e bolsa para vinil aos 15 anos às cobiçadas cabines do Watergate e Coachella
Conheça a história por trás do house melódico e do techno underground de Yulia Niko que vem conquistando as pistas e labels
Yulia Niko é o tipo de artista que a gente admira. DJ, Produtora e Advogada, ela mudou se para o Brooklyn logo após se formar em direito. Lá investiu quatro anos na produção musical, antes de se mudar para Berlim, onde mora até hoje.
Na construção de sua carreira, Yulia soube absorver o conhecimento adquirido por alguns dos artistas e DJs underground mais respeitados de Nova York, que serviram como mentores, aprimorando seu estilo de produção musical.
Ela já lançou dezenas de releases, alguns no próprio label e outros em gravadoras incríveis como 8Bit, Crosstown Rebels, Hottrax, In The Mood, Nervous Records, Objektivity e a Rebellion. Seus sets e produção unem house melódico e techno underground.
Conversamos com Yulia entre uma viagem e outra, para saber mais e compartilhar suas história com o público brasileiro. Confira!
"Meus pais me apoiaram imediatamente. Me deram meus primeiros fones de ouvido, uma bolsa para vinil, e eu tinha apenas 15 anos na época"
Olá, Yulia! Conte sua história para o público brasileiro que ainda não a conhece. Como começou?
Em primeiro lugar, gostaria de dizer olá. Estou muito grata por esta oportunidade.
Já estive no Brasil algumas vezes como turista, explorando muitos lugares e com certeza é um dos lugares mais inusitados e misteriosamente lindos que já vi!
Será bom voltar e acho que meu show de estreia no Warung será um ótimo começo. Sempre gostei de dançar. Na verdade cheguei a frequentar escola profissional de dança como bailarina.
Meus professores sempre mencionaram aos meus pais que eu tinha um ritmo muito bom. Eu estava sempre dançando em todos os lugares, especialmente em casa.
Assim que eu ouvia uma música eu já estava dançando. Um dia ouvi a música ‘Lazy’ do X-Press 2 e me apaixonei por “House Music”.
Foi aí que um amigo me deu de presente um DVD de uma festa em Bora Bora Ibiza. O DJ tocava vinil e as pessoas curtiam - aquilo foi tão legal e diferente para mim.
O cinegrafista estava focado nos Go Go dancers e eu costumava assistir esse vídeo quase todos os dias, tentando aprender a dançar como eles e sonhando em crescer rápido para poder ir para Ibiza.
Eu tinha uns 13 anos na época. Você acredita nisso?
Quando eu tinha 15 anos, eu já era muito independente e parecia bem amadurecida para a minha idade (ou pelo menos era o que eu pensava rs).
Mas um dia eu estava dirigindo o carro com alguns amigos e sofremos um acidente muito grave. Tive várias lesões e tive que ficar em casa por um bom tempo e até fazer uma cirurgia.
De qualquer forma, minha carreira de dançarina estava acabada neste ponto. Meus pais realmente me viam como uma advogada ou ou algo assim em nossa cidade.
Bem, tenho que admitir - “House Music salvou minha vida!” Enquanto me recuperava, ouvia válbuns de house music da Ministry of Sound, HedKandy, Cafe Del Mar e muitos outros.
A música me fez sentir super motivada a me recuperar e fazer várias coisas. Eu queria levantar e criar, me tornar uma pessoa extraordinária e, para ser honesta, talvez até ficar “famosa” rs.
Um dia recebi um CD de uma DJ local e pensei que talvez devesse aprender mais sobre aquilo. Comecei a comprar discos de vinil e meus pais me apoiaram imediatamente.
Eles me deram meus primeiros fones de ouvido, uma bolsa para discos de vinil da UGG, e eu tinha apenas 15 anos na época, tinha as coisas mais legais que qualquer jovem DJ poderia imaginar.
Meu primeiro show foi em um club local, em 26 de dezembro de 2005.
Foi muito difícil tocar porque eu não conseguia colocar uma agulha no disco, minhas mãos tremiam tanto, eu tive que pressionar muito forte em volta do meu cotovelo direito para conseguir.
De alguma forma, eu sobrevivi, e o club me ofereceu uma residência imediatamente, então eu tive muita prática para trabalhar com o público e criar minha própria abordagem e fórmula de como “manter a pista de dança cheia” até o final da noite.
Foi um começo muito bom, uma época quando não ainda não tinha muitas DJs mulheres e eu estava crescendo rápido, mas chegou uma época em que eu acabei desistindo porque as viagens estavam tomando muito o meu tempo e eu estava perdendo aulas na universidade.
Mas acabei voltando à música em 2014 e decidi me mudar para Nova York para estudar, produzir música e construir tudo do zero com o novo nome “Yulia Niko”. A propósito, “Yulia” é meu nome verdadeiro e “Niko’’ é meu nome do meio, o nome do meu pai.
Assim que comecei a aprender a produzir música, senti que se tornou meu estilo de vida em tempo integral. Estou apenas pensando, falando e dormindo música!
A música é meu trabalho, vida e hobby. E me sinto tão feliz por ter uma paixão tão forte.
Soubemos que você se formou em direito. Você chegou a trabalhar na área ou pulou fora direto para a música? Acha que de alguma forma isso agrega à sua carreira como artista?
Sim, dei uma pausa de 3 anos para terminar o curso. Aí arrumei um emprego num escritório de advocacia.
Tenho muito respeito por pessoas que dedicam suas vidas a um trabalho de escritório, além de resolver os problemas estressantes dos outros.
Eu durei 3 meses nesse trabalho e então acordei um dia com as seguintes palavras na cabeça “Sou artista, quero criar”.
Larguei esse emprego, peguei meu passaporte e comecei minha nova jornada pela Europa, parando em Nova York por 5 anos, depois voltei para Berlim por mais 5 e aqui estamos.
Estou por aqui agora. Eu amo tanto Berlim!
Estudar definitivamente me tornou uma pessoa muito mais erudita. Eu sou uma viajante do mundo; agora sei das coisas e como lidar com elas.
Muitas situações estressantes acontecem, como vôos cancelados ou problemas no espaço do evento mas me sinto muito segura para lidar com essas situações com uma abordagem mais inteligente.
O mesmo se aplica ao meu trabalho, sou muito responsável, sempre pontual e exigente, então as coisas estão realmente acontecendo do jeito que eu quero.
Essas coisas não necessariamente se aplicam ao meu lado musical, mas com certeza me ajudam nos negócios.
“Bem, tenho que admitir - “House Music salvou minha vida!’”
Tambem ficamos sabendo que você teve mentoria de grandes artistas e DJs. Como você acha que ter mentores pode impulsionar a carreira de um artista?
Cada conselho que recebo de algum artista é sempre muito valioso para mim.
Essas pessoas tiveram muita experiência para chegar a este ponto, para poder ver algo em você e redirecioná-lo ao caminho certo.
Eu sempre escuto e analiso muito. Engraçado, que no começo eu tentei lutar contra, mas depois de alguns anos entendi que eram conselhos bons. Acho que é assim com todos nós, penso eu.
Todos nós questionamos o tempo todo se estamos fazendo certo, se a música é boa, se somos suficientemente bons. Mas no momento em que você ouve um elogio de um ídolo seu, você percebe que todos começamos do mesmo ponto… do “zero”.
No meu caso, aprendi a não olhar para outros artistas e tentar competir ou correr atrás de alguém.
Eu apenas olho para mim 2-3 anos atrás e então vejo o quanto eu mudei. Isso me faz sentir orgulhosa e calma. Calma e boas vibes são a melhor receita para continuar a nos inspirar.
E aproveitando a deixa, gostaria de dizer “Obrigado” a alguns artistas que estiveram envolvidos em minha carreira e acreditaram em mim e me deram aqueles “Conselhos de Ouro”: Erick Morillo, Damian Lazrus, Tobi Neumann, Brian Cid, Adam Collins, Phillip Jung, Audiofly…
Você lançou em labels como 8bit, Crosstown Rebels, Hottrax, In The Mood, Nervous Records, Objektivity e Rebellion. Como conseguiu isso e aual foi o 1º lançamento?
Comecei a produzir num corredor de uma cozinha no Brooklyn. Eu montei um pequeno estúdio lá.
Então um amigo meu, o Martinek, se ofereceu para dividir um estúdio equipado com vários equipamentos analógicos.
Eu acabei estragando os alto-falantes caros dele depois lol - estava na época tocando um som techy-minimal, então a Nervous era, claro, um selo lendário. Era um sonho poder lançar lá.
Comecei com “Let Love In” feat. Shawnee Taylor cantando. Então comecei a fazer mais shows e meu som mudou rapidamente.
Eu basicamente cheguei em Nova York como uma garota virgem na música techno. Eu tinha muito pouco conhecimento sobre esse tipo de música, mas estava aberta a aprender e fui para Detroit e Chicago para procurar novidades.
Acabei conhecendo a Get Physical e continuei enviando discos para eles, que acho que foi só na 8ª vez que eles finalmente pegaram o disco “Zurich”.
Quando acabei de me mudar para Berlim, encontrei Damian Lazarus de forma super aleatória em um club e depois disso enviei algumas músicas para ele.
Eu pensei que era uma boa combinação, mas também é difícil adivinhar o que pode se encaixar em uma gravadora apenas ouvindo discos anteriores. Grandes DJs como ele, que possuem essas gravadoras, sempre olham para o futuro e têm noção do que pode funcionar melhor em um ano.
Então eu não voltei e continuei produzindo. Lancei em uma gravadora de Frankfurt “Baile Music” e eventualmente recebi um e-mail de Damian, dizendo que meu último lançamento é bom e que ele gostaria de algo para sua gravadora.
Eu tinha cerca de 10 faixas sem assinatura naqueles dias, então ele escolheu meu primeiro EP “Casa en el agua” para a Rebellion.
Os discos no selo Jamie’s Jones eram mais fáceis. Eu apenas sentei no estúdio, ouvi seu último set e analisei o que ele gosta de tocar. Eu tinha o e-mail dele e ele me respondeu em 3 dias.
Eu estava a caminho do Sunwaves na Romênia e ia vê-lo tocar lá no dia seguinte. Então, imagine que eu estava indo para um dos meus festivais favoritos e no caminho recebo a notícia de que Jamie tinha minha música em sua playlist.
Esse foi o dia em que nos conhecemos e agora sou orgulhosamente residente de sua festa Paradise pelo mundo e em Ibiza.
Eu posso falar sem parar sobre toda a minha jornada musical... vocês já sabem que é tudo que eu gosto de falar.
Também quero mencionar a gravadora 8bit, que me deu a oportunidade de lançar EPs e um deles foi remixado por Nick Curly & Gorge.
Ambos os EPs fizeram sucesso e minha faixa “Pura Vida” é a faixa mais tocável no Spotify. Obrigado, Nick, por me apoiar também.
“Comecei a produzir num corredor de uma cozinha no Brooklyn. Eu montei um pequeno estúdio lá”
Se existe um clube que amamos, esse é o Watergate. Como você conseguiu uma residência lá?
Haha o que posso dizer? Lucky bitch! Desde que me mudei para Berlim, tentei obsessivamente conhecer pessoas que tocavam no Watergate ou de alguma forma faziam parte daquilo.
Mas não houve boas notícias por um ano.
Depois do meu primeiro EP na Rebellion, Damian me pediu para participar de uma compilação na Crosstown Rebels “Spirits” com uma única faixa “67 Days”.
Para o lançamento, ele planejou uma festa no Watergate Berlin, mas antes, quando um empresário do Watergate estava me contratando, ele perguntou se eu era de Berlim e se eu planejava ficar por mais tempo, se estaria interessada em ser residente, mas obviamente tudo dependia do meu primeiro show para o showcase.
Fiquei meio chocada e tão estressada na noite do showcase. Eu estava preocupada que Damian estivesse me vendo tocar pela primeira vez, além de ser uma grande oportunidade de continuar trabalhando no Watergate.
De qualquer forma, foi um grande empurrão na minha carreira e depois acabei conseguindo uma residência oficial. É uma equipe simpática e super profissional. Sempre divertido tocar lá ou curtir uma balada.
Também tenho que mencionar a gravadora do Watergate, com suas obras de arte ultra-únicas, estilo forte e verdadeiros bangers. Ambos os EPs “Manifesto” e “Rave Girl” pela Watergate Records trouxeram uma enorme exposição e mudanças na minha carreira.
Como está a agenda 2022 em collabs, remixes e releases?
2022 parece ser um ano de trabalho duro para mim. Acabamos de lançar uma nova gravadora como um coletivo “Scenarios” junto com Maga, Emanuel Satie, Sean Doron e Tim Engelhardt.
Estamos planejando lançar alguns EPs este ano, produzindo música todos juntos. É uma grande oportunidade de colaborar uns com os outros, aprender uns com os outros e, com sorte, trazer algo novo para a indústria.
Acabei de terminar meu primeiro álbum “Manpower”. Ainda não está assinado com nenhuma gravadora, mas já testei músicas no público e está funcionando muito bem.
A ideia é continuar viajando e tocar essas faixas ao redor do mundo. Mudo para Ibiza, para uma residência de verão com eventos na Amnesia, Heart Club, Hi e mais alguns… Tambem tenho shows no Coachella em Palm Springs, estou planejando meu primeiro Burning Man e curtindo minha jornada o máximo que posso.
Última: sempre pedimos dicas e conselhos para os novos talentos. O que você diz?
Esse é um trabalho ininterrupto, 24 horas por dia. Continue fazendo seu trabalho.
Continue fazendo músicas e enviando para gravadoras, mesmo que elas não respondam. Se não o fizerem, é uma motivação para melhorar e fazer algo que ninguém resistirá a assinar depois.
Quando recebo demos para minha gravadora, geralmente jovens produtores me enviam faixas bem básicas. Infelizmente, fazer música é muito fácil hoje em dia e o Beatport está lançando cerca de 30 mil faixas por semana.
Se você quer fazer um grande sucesso, invista nele o máximo que puder.
Contrate um compositor ou cantor, colabore com outros músicos e grave instrumentos ao vivo, invista em equipamentos de estúdio, assista a alguns vídeos de produtores consagrados que fizeram discos de sucesso.
Encontre uma história para o seu projeto e conte-a ao mundo. Boa sorte na realização do seu sonho!
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