Entrevista: Carlo Dall Anese
Um papo com um dos maiores nomes da dance music nacional
2 Forward
Você mora fora de São Paulo. Como equilibra os shows, tantas viagens e vida pessoal?
Já tem alguns anos que eu escolhi uma vida mais tranquila, porque a correria é grande.
Eu moro em Campos do Jordão, que é uma cidade super pacata de vinte mil habitantes e não tem nenhum semáfaro, por incrível que pareça. É engraçado falar isso mas não tem mesmo.
Moro numa casa bem afastada no meio do mato pois o contato com a natureza é uma coisa que preciso ter, e minha família se deu super bem com isso, minha mulher e filhos.
Eu consigo conciliar, temos uma limo-van que me leva com todo o conforto para todo lugar, aeroportos, gigs que a gente vai de carro.
Consigo equilibrar bem, e as vezes uma vez a cada 10 dias, ou uma vez por semana vou a São Paulo para reuniões, meus meetings, e hoje em dia a vida está tão informatizada, tudo tão interligado que, para você ter uma idéia, tem amigos e pessoas que levaram anos para descobrir que eu não morava mais em São Paulo.
Quer dizer, especialmente no meu trabalho, onde não tenho que bater um ponto numa unidade física, acho que não faz a menor diferença se estou longe ou fora de um grande centro. Pelo contrário, isso me traz uma qualidade de vida muito grande.
E sobre os projetos? O que anda rolando?
Eu estou engajado em muitos projetos de escrita, percebi que é algo que gosto de fazer, espero que isso tenha alguma funcionalidade ou seja útil para alguém no futuro.
Acho que dá pra ajudar e compartilhar com muita gente. Ainda estou no projeto sério de tocar bastante e produzir bastante, ainda é o que gosto de fazer. Mesmo depois de duas décadas é algo em que estou bem engajado.
Algum projeto especial que possa compartilhar?
Eu tenho procurado, na minha vida pessoal, ter uma vida cada vez mais tranquila, menos corrida. Esse mercado é muito competitivo, muito maluco, então temos que ter uma autodisciplina grande para se manter.
As coisas estão muito dinâmicas e para conseguir acompanhar tem que ter realmente muito equilíbrio, por isso meu plano é manter esse equilíbrio e ter muito mais equilíbrio ainda.
Dizem por aí que rolaram atritos no projeto Sweetmad. O que houve afinal?
É um assunto que não tenho o menor problema em falar.
O Fábio Castro, que foi meu grande parceiro na época, é um cara que eu tenho um respeito muito grande, um produtor super talentoso que tem uma voz diferenciada e muito legal, um cara com quem tenho um carinho muito grande.
Sinto que é uma pena que a gente tenha se afastado, que não esteja mais tão junto. Mas o que houve afinal é que acho que a gente foi muito audacioso em nosso projeto.
A coisa virou demais, funcionou legal porque eu ajudava muito o Fábio na parte de DJ e ele me ajudava na parte 'rock n roll' mas acho que a coisa acabou extrapolando um pouco, e eu fiquei rock n roll um pouco além do que eu queria, e o Fábio ficou DJ um pouco alem do que ele queria.
E acabou que não houve atrito, foi um fim natural e orgânico, um ciclo que se fechou, algo bem tranquilo.
Mas acho que a gente cometeu alguns, não digo erros, mas fomos audaciosos demais colocando uma banda, com bateria, coisas acústicas dentro de um club, uma casa noturna.
Foi uma coisa que deu muito resultado mas ao mesmo tempo acho que a cena não estava preparada para aquilo, e nem a gente estava.
Apesar de termos feito muitos shows, muitos ótimos shows, acho que foi mais ou menos isso: o Sweetmad acabou ficando DJ demais para o Fábio e rock demais para o Carlo.
E o projeto Glasgo, continua?
O Glasgo não é como um projeto que eu estou nele, e não estou em outro. O Glasgo é Carlo, Diego Logic e Guilherme Kikuchi, juntos.
Então quando a gente produz junto, é Glasgo, quando o Diego produz sozinho é Diego, quando o Carlo produz sozinho é Carlo, e quando produz com o Diego é Carlo e Diego, quer dizer, continua, enquanto existir sinergia para produzir juntos a gente produz, senão a gente vai fazendo as coisas separado.
Mas enfim, a amizade é a mesma e o Glasgo pode continuar sim. O Glasgo na verdade é como se fosse o nome do Carlo, do Gui e do Diego juntos.
O que acha dos caminhos que a cena eletrônica anda trilhando no Brasil? Como você vê a EDM?
Sinceramente eu esperava um pouquinho mais da cena eletrônica nacional, não no sentido de que ela não está grande o suficiente mas na verdade acho que ela foi muito achatada pelo mainstream.
Quando digo mainstream não é o mainstream da música comercial, é uma coisa assim, ela está disputando muito com o sertanejo, com o funk, o hip hop, etc.
Eu acho que no Brasil, pela cultura musical que tem, a música eletrônica acaba ficando muito secundária. Quer dizer, a Claudia Leite da Holanda é o Armin, entendeu?
O artista popular holandês é o Armin, o artista belga famoso da música que sai na TV é Dimitri Vegas & Like Mike. No Brasil não, a música eletrônica acaba ficando uma coisa muito secundária e realmente, não sei se é a qualidade das músicas que nós, produtores brasileiros, estamos fazendo, mas apesar de ter muita coisa boa rolando de produtores brasileiros na cena internacional, ainda é muito pouco.
Um país tão grande e dá pra gente falar em cinco ou dez big players, que são artistas nacionais que tem músicas tocando fora e isso é muito pouco. Acho que deveria ser maior, não sei por qual motivo, mas poderia ser maior.
Sobre a EDM, é um segmento, um estilo, algo que está bombando agora, é o nome que colocaram para esse estilo musical de agora, eu toco algumas coisas, tem muita coisa legal e muitas ruins.
Ela tem um pouco de tudo, tem o 'electrão' para a molecada, tem o 'trancezão melódico', tem aquela coisa pra bombar a pista, e é um estilo legal sim, mas logo surge outra coisa. Não que o EDM vai ser ultrapassado mas ele vai evoluir, e é assim que tem que ser.
Você tambem toca a agência B-Side, que representa um bom casting de DJs. Como é esse lado empresário e quais os planos para a agência?
Eu já fui mais envolvido na B-Side, não ando tão envolvido ultimamente porque tenho que confessar que os DJs brasileiros ainda estão muito cegos em relação a questão do management.
É uma coisa ridícula que acontece com agência de DJ, que dá até vergonha de falar, mas acho que os caras deveriam ter mais vergonha ainda de fazer isso, mas é assim: agência só ganha quando o DJ fatura, ela trabalha de graça para o DJ o mês inteiro.
Quando o DJ toca, a agência ganha 20%, que é uma coisa ridícula, um valor realmente pequeno que mal dá para pagar os custos fiscais de tudo, isso é uma realidade do Brasil, é preciso pagar os impostos, é necessário.
Tem DJ que esconde gigs da agência só para não pagar os 20% e isso é patético.
Se a gente for ver que os DJs gringos, não é que eles pagam uma comissão, mas 50% ou mais do que eles ganham não vai para uma pessoa mas vai para um fundo que possa desenvolver a própria carreira dele.
O DJ (aqui) não, ele ganhou R$2000 e ele acha um absurdo ter que pagar R$400, que é 20% disso, quer enfiar isso no bolso e acabou.
Não reinveste num anúncio, não investe isso numa gig, não faz nada, e isso é muito frustrante pois aí a gente não consegue fazer o management, que é a coisa mais importante.
20% é só o booking. E o management, onde é que fica?
Então eu tenho trabalhado com alguns DJs onde recebo paralelo à isso um valor como se fosse um cachê, um salário, que é para o managemente mesmo, algo muito diferente do valor do booking da agência.
Quem quiser me contratar como management, estou a disposição. Mas os DJs realmente precisam mudar essa mentalidade, claro que não são todos.
Fico feliz de ver que alguns artistas da cena eletrônica nacional agora estão começando a ter essa consciência mas ainda é algo que tem muito para mudar.