Berny nos conta sobre a evolução do podcast In Dark We Trust, momentos-chave da carreira e mais em entrevista exclusiva
Desde o início dos anos 2000, o artista italiano fomenta este que é um dos estilos em alta na cena atual
Berny é um DJ e produtor italiano que está inserido na cena desde os anos 2000, mas não é um daqueles artistas que brilha nos holofotes da indústria musical e que busca por aprovação do público, pelo contrário, seu trabalho acontece de forma mais discreta na cena.
Isso porque um dos seus principais projetos (se não o principal) é o famoso canal de podcasts In Dark We Trust, lançado em 2020 logo após a pandemia como uma forma de continuar fazendo a música girar quando estávamos todos trancados em casa.
Em pouquíssimo tempo, o canal alcançou um enorme reconhecimento, se ramificou como gravadora (IDWT) e uma série de eventos, e hoje já soma mais de 330 mixes lançados, isso tudo em menos de cinco anos… bem expressivo!
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Mas além de cuidar do podcast e de seguir tocando pelo mundo como DJ, Berny também é um nome bastante ativo como produtor musical e que valoriza muito trabalhar em conjunto com outros artistas.
A maioria de suas faixas são feitas em collab e ele anunciou recentemente que devem sair novos releases com mais de 25 artistas diferentes.
Hoje ele consolidou seu nome como referência principalmente quando falamos em sonoridades conectadas ao Indie Dance e Dark Disco, uma identidade que ele já vem construindo desde os anos iniciais de sua carreira.
É sobre tudo isso e um pouco mais que conversamos com ele nesta entrevista exclusiva. Ouça seu mix mais recente e aproveite para ler abaixo:
Q+A: Berny
Olá, Berny. Obrigado por nos atender. O início da sua carreira remonta a meados dos anos 2000, certo? Já naquela época, você começava a pavimentar o caminho em volta do Indie/Dark Disco, estilos que hoje alcançaram uma popularidade muito maior. Conte-nos mais um pouco sobre esse início e sua conexão com a música eletrônica no geral.
Olá a todos e obrigado por esta entrevista. Até 2004, ano da publicação do meu primeiro vinil, Black Moon, eu produzia e publicava principalmente música Lounge e Chill Out para compilações em CD de uma famosa rede de restaurantes de luxo na Itália.
Devo dizer que ganhei um bom dinheiro com as vendas físicas de CDs e direitos autorais. Eu tinha um PC comum e enormes bibliotecas de sons, e conseguia produzir boa música relaxante para jantares nesses locais. Com o primeiro dinheiro que guardei, consegui montar um pequeno estúdio e comecei a fazer algumas produções de Deep House.
Após o lançamento do meu primeiro vinil, refinei meu estilo, me aproximando cada vez mais dos sons de House, Disco e Funky, pois meu parceiro, Guru, tinha uma super coleção de 7.000 vinis dos quais fazíamos samples, criando linhas de baixo groovadas e únicas, que combinávamos com ritmos de House, mas sempre mantendo um estilo ‘sujo’ e ‘cru’, no qual ocasionalmente inseríamos arranjos ‘escuros’ vindos da New Wave e do Punk Rock. Inconscientemente, eu já estava me movendo em direção ao Dark Disco.
Já por volta de 2010, você lançou um dos seus primeiros sucessos que foi ‘Shplatten’, faixa que até ganhou um álbum de remixes e suportes de Richie Hawtin e Marco Carola. Você a considera como um momento-chave da sua carreira? Teve realmente um impacto significativo para torná-lo mais conhecido?
Absolutamente sim, Shplatten foi o ponto de virada. Foi quando, além de me convencer de que eu tinha dado um bom ‘salto’ de qualidade nas minhas habilidades de produção, também tive o clássico golpe de sorte.
Um vídeo de Richie Hawtin tocando a faixa no festival Love Family Park, na Alemanha, começou a circular na web. Meu amigo Jack Capitanio, na época booker de Richie e Marco Carola na Itália, me ligou uma manhã falando sobre o vídeo e dizendo, lembro-me muito bem: “faça as malas e prepare seus discos porque propostas interessantes começarão a chegar”.
Alguns anos depois, você já estava fazendo turnês pela Europa, celebrando boas posições nos charts do Beatport/Traxsource e colaborando com grandes nomes da cena, incluindo remixes para Oscar P e Giorgia Angiuli, ainda em 2014. Visitando sua discografia dessa época, você explorava uma ampla gama de estilos, certo? Ainda não estava definido um foco específico ou caminho mais nítido pra você?
Sim, devo dizer que, desde então, com muitas datas pela Europa e algumas já na Ásia, junto com minhas produções no estúdio, também me concentrei muito no meu caminho como DJ, um trabalho que já fazia há cerca de 10 anos.
Tocar em muitos clubes em diferentes países foi muito estimulante, também porque eu queria provar a mim mesmo que poderia ser um bom DJ diante de públicos diferentes. Em relação às produções, meu remix para Giorgia Angiuli em 2014 me deu um impulso adicional e comecei a receber muitos pedidos de remixes e colaborações, como as com Marshall Jefferson, Satoshi Fumi, Kruse & Nuernberg, Oscar P e Robert Owens.
Naquela época, a base do meu estilo era basicamente Deep House com groove, embora com meu EP Dirty Eyes, de 2011, eu já tivesse inclinado para o Indie Dance e sons mais underground e cósmicos, mantendo sempre uma ideia precisa de groove ‘cru’ de Disco e Jackin House, especialmente nas minhas linhas de baixo sintetizadas, que eu ‘contaminava’ sempre fazendo samples da minha coleção de vinis.
Até antes da pandemia, as coisas estavam indo muito bem artisticamente para você. Quando fomos surpreendidos pelo lockdown, você chegou a repensar sobre sua carreira? Como você encarou aquele momento?
Quando começou o lockdown, lembro muito bem que eu tinha acabado de voltar de Berlim, após uma gig insana no Ritter Butzke, e entendi imediatamente que tudo estava prestes a mudar.
O fato de os clubes permanecerem fechados por pelo menos um ano teria muitas implicações no meu plano econômico. Eu já sabia que teria que resistir, mas, acima de tudo, que precisaria estar pronto para o reinício.
Não sendo um DJ super famoso e rico que pudesse se dar ao luxo de uma pausa no trabalho, e sem ter certeza de que, quando tudo recomeçasse, me chamariam imediatamente para tocar, aproveitei a situação para inventar uma nova e original série de podcasts com a qual pudesse promover exclusivamente o gênero ao qual eu me ligara artisticamente, o Indie Dance e, especificamente, o Dark Disco.
Esse gênero foi introduzido pela Beatport em um artigo famoso em 2020, e fiquei fascinado por ele. Comecei a seguir assiduamente os artistas e o movimento em geral, que tinha suas origens no México, mas também na França e em Israel, e comecei a convidar os melhores DJs do gênero para gravar um mix, também porque sabia que todos tinham tempo e estavam presos em casa.
Encontrei rapidamente um forte apoio de todos os artistas que considerava válidos para o meu projeto e comecei imediatamente a me dedicar todos os dias à preparação, upload e trabalho gráfico de cada mix, tentando propor pelo menos três por semana, mesmo que todos me aconselhassem contra isso.
Já que você comentou sobre a série de podcast, vamos falar sobre essa ideia. O que te motivou de fato a criar o IN DARK WE TRUST? E como você conseguiu lançar mais de 300 mixes em pouco mais de três anos? Você sempre fez tudo sozinho?
A principal motivação foi o desejo de promover o Dark Disco, um gênero que eu acabara de descobrir porque tocar Tech House não me animava mais. Eu ouvia todos os mesmos discos e não me sentia original e inovador durante meus sets.
Eu não tinha mais arrepios e não sentia vontade de acender um cigarro enquanto ouvia novos discos. Estava procurando algo novo em geral. Dark Disco foi uma revelação.
Identifiquei imediatamente os artistas que gostava, entrei em contato com eles, conversei, estudei os diversos selos e organizei todos os uploads dos mixes de forma contínua.
O conceito por trás da série é oferecer um mix que conte uma história, como um bom livro. Precisa de uma introdução adequada, evolução e conclusão; os personagens da história são as faixas selecionadas pelo artista.
Por isso, não aceitamos mixes gravados durante gigs ou apenas com as últimas promos dos artistas, porque a abordagem nesse caso é diferente.
Procuramos uma seleção íntima e pessoal e queremos um mix que possa ser ouvido, mas também dançado, ou ao menos que faça você mover o pé e a cabeça enquanto o ouve.
O podcast evoluiu para uma gravadora (IDWT) em 2021, mas os lançamentos não aconteceram mais desde o final do ano passado. Você tem alguma novidade quanto a isso? Existe uma perspectiva de voltar a publicar novos releases?
Sim, a ideia da gravadora foi uma evolução natural da série e a fundei com KISK, proprietário da Apparel Galaxy, um selo italiano muito importante com muitos subselos. Ele é o Label Manager, e eu sou o A&R. Estruturamos tudo com muita calma.
Quando recebemos uma demo interessante e válida, publicamos sem remixes. Cada lançamento sempre entrou nas paradas da Beatport, alguns até no Top #10. Procuramos músicas particulares, ‘cruas’ e ‘groovadas’, certamente com sons distantes do mercado atual de Indie Dance.
E quanto às festas da label, elas ainda acontecem regularmente também?
Os eventos continuam, é claro. Os maiores sucessos que tivemos até agora foram em Berlim, com festas importantes no Kater Blau e no Ritter Butzke. Geralmente, nos nossos showcases em clubes de médio porte, vou tocar e levo comigo outro artista da série, escolhido pelo promotor.
Essa fórmula funciona muito bem na Europa. Agora, decidimos organizar mais showcases nos EUA e fazer pelo menos duas turnês por ano no México, que consideramos nossa pátria artística, esperando, no entanto, chegar ao Brasil em breve.
Em contrapartida, você tem lançado de forma bastante consistente nos últimos meses. Como você concilia a sua rotina de estúdio com as outras tarefas na música? Hoje você vive exclusivamente da música?
Sim, devo dizer que ultimamente estou muito ativo na frente de produção, também porque estou colaborando com muitos artistas, e isso é muito estimulante.
Toquei muito nos últimos três anos e agora sinto a necessidade de crescer também no lado da produção no estúdio, porque o nível, em geral, aumentou e, para produzir faixas de qualidade, é preciso trabalhar duro, entender a evolução da música, estudar novos softwares, atualizar seu hardware, mas, acima de tudo, estou tentando personalizar mais meu estilo e gosto nas minhas produções, mantendo-me no mesmo nível dos melhores produtores do panorama Indie Dance.
Portanto, agora estou mais focado no trabalho de estúdio e espero que, com meus próximos lançamentos, eu possa tocar em novos clubes e países. Obviamente, mantenho meus gigs em Berlim, como a residência na festa Electric Monday do Kit Kat e pela Europa, mas agora, definitivamente, em alguns fins de semana por mês, fico trabalhando no estúdio em casa, na Itália.
Entre os destaques da sua discografia mais recente estão o single ‘Veneno’, em collab com BadWolf, que saiu em março de 2023 e alcançou o Top #1 no chart de Indie Dance do Beatport, e também a sua colaboração com o brasileiro BRK em ‘ Robofunky’, lançada logo depois. Trabalhar a quatro mãos parece funcionar muito bem para você, certo? Quais as experiências mais significativas que você já teve a partir deste formato?
Exatamente, você acertou em cheio. Sempre acreditei que duas cabeças pensam melhor do que uma e colaborar com outros artistas me deu muita satisfação, fazendo-me alcançar resultados importantes.
Em uma colaboração, conseguir ter o entendimento certo é o principal aspecto. Gosto de deixar outro artista ouvir minha ideia de uma faixa e ver se ele capta a essência, ajustando os aspectos técnicos da maneira mais apropriada e organizando a faixa de forma eficaz.
Às vezes, claro, a colaboração não deu certo porque eu e a outra pessoa tínhamos ideias diferentes sobre o direcionamento da faixa, mas, muitas vezes, os resultados foram excepcionais, como no caso das faixas que você mencionou.
Costumo deixar muita liberdade artística para meu colaborador, porque conheço bem suas habilidades no estúdio. O segredo é deixá-lo ouvir uma ideia de música que você sabe que pode intrigá-lo e motivá-lo a trabalhar com entusiasmo.
Depois, cuido da finalização, como uma boa mixagem, e proponho a faixa para os selos certos que possam promovê-la da melhor forma no mercado.
Além dos lançamentos, há algum outro projeto que você esteja trabalhando e deseja compartilhar mais detalhes? Quais os planos para essa reta final de ano e também para 2025?
Meus planos são, definitivamente, continuar sempre oferecendo mixes de qualidade com a série IN DARK WE TRUST. Meu compromisso é sempre total e contínuo, mesmo após quase 4 anos.
Em termos de produções, estou expandindo minhas colaborações iniciando um novo projeto artístico com meu amigo MIJO, do México, um gênio absoluto com quem, graças mais uma vez ao KISK, temos em andamento uma faixa que, digamos, é mais voltada para o mercado mainstream de rádio e televisão.
Em relação à minha atividade como DJ, estou me concentrando em fazer uma segunda longa turnê na Ásia e em levar o showcase IDWT para os EUA. No momento, estou em negociações com promotores em Los Angeles e Nova York. No próximo ano, eu definitivamente gostaria de tocar no Brasil e trazer meu showcase para vocês. Convido todos os promotores a entrarem em contato, caso tenham interesse.
Por fim, gostaríamos da sua visão sobre o crescimento do Indie Dance nos últimos anos. Muitos acharam que poderia ser algo tão grande quanto o Melodic Techno, mas este momento parece não ter chegado ainda. Como você enxerga o futuro da vertente? Obrigado, Berny!
Certamente, há gêneros como Melodic House, Afro House e Techno que são muito importantes e que seguirão seu desenvolvimento natural. Eu certamente não critico abertamente nenhum gênero específico, também porque sempre os ouço todos. Se eu tiver que me identificar especificamente, sou um DJ que propõe principalmente INDIE DANCE, DARK DISCO e, em seguida, TECH HOUSE e DEEP HOUSE.
Certamente, na base de toda a música que amamos e ouvimos, seguindo nosso gosto pessoal, está a HOUSE MUSIC; nunca devemos esquecer disso. O que precisamos pedir às pessoas é que não se fixem em um gênero ou tendência, mas que estejam sempre curiosas e dispostas a OUVIR (e não filmar com o celular) muitos DJs diferentes, que, por sua vez, devem ter a coragem, em seus sets, de “ousar” e estar convencidos das faixas que propõem. É preciso sempre ter a coragem de seguir o próprio gosto e ser fiel ao seu caminho artístico, sem concessões.
Imagem: Divulgação